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A proibição de cobrança de valores adicionais a alunos com deficiência

No dia 6 de julho de 2015, foi instituída a lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (lei 13.146/15), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. Essa lei, fundamentada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, renovou o compromisso do Estado brasileiro de garantir com prioridade o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência.

Quanto ao direito à educação, o § 1º do artigo 28 da referida lei determina que as escolas públicas e privadas adequem seu estabelecimento de ensino, a fim de garantir um sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades. Destaca-se que essa mesma norma proíbe a cobrança dos alunos com necessidades especiais valores adicionais de qualquer natureza nas mensalidades, anuidades e matrículas.

A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN) ajuizou a ADIn 5.357/DF contra esse § 1º do artigo 28. Segundo a CONFENEN, tal dispositivo violaria diversos preceitos constitucionais, especialmente o direito à propriedade (artigo 5º, XXII e XXIII, e artigo 170, II e III); a liberdade conferida à iniciativa privada de prestação de serviço de ensino (artigo 209); e o dever do Estado com a educação (artigos 205, 208 e 227, caput e § 1º, inciso II).

Na sessão de 9 de junho de 2016, o plenário do STF julgou improcedente o pedido da ADIn 5.357/DF. Com essa decisão, o STF declarou a constitucionalidade do § 1º do artigo 28 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, de forma a garantir que as conquistas sociais não fossem mitigadas por razões meramente mercadológicos. Prevaleceu, com isso, o princípio da vedação do retrocesso social.

No que diz aos fundamentos jurídicos da questão, é importante destacar que o artigo 209 da Constituição concede a liberdade do ensino à iniciativa privada, desde que atendidas às normas gerais da educação nacional. Ao abranger tanto as instituições públicas quanto as privadas, o § 1º do artigo 28 é indiscutivelmente uma norma geral de educação.

Em verdade, o § 1º do artigo 28 é apenas uma espécie de evolução natural do artigo 24 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que há muito já previa que “o direito das pessoas com deficiência à educação” deve ser respeitado “sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades”. Aqui não se faz qualquer distinção entre público e privado, haja vista a eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Cumpre notar também que o artigo 205 da Constituição atribui ao Estado e à família o dever de educar, a ser promovido e incentivado com a colaboração da sociedade. Nesse mesmo sentido, foi promulgado o artigo 2º da lei de diretrizes e bases da educação nacional (lei 9.394/96). Aliás, nesse último artigo, se acrescentou ainda que a educação deve ser inspirada nos ideais de "solidariedade humana". Por sua vez, o Estatuto da Pessoa com Deficiência avançou um pouco mais. Tal Estatuto não limitou o dever da educação ao Estado e à família. O parágrafo único do artigo 27 do Estatuto determina que a educação da pessoa com necessidades especiais é dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade. Desse modo, o ônus financeiro da inclusão da pessoa com necessidades educacionais especiais no ensino regular não pode ficar restrito ao educando e sua família. Esse ônus recai sobre toda sociedade, tendo em vista o princípio da solidariedade humana, o que torna legítima a vedação da cobrança de valores adicionais dos alunos com necessidades especiais.

Afora os aspectos jurídicos da decisão, o § 1º do artigo 28, albergado por essa decisão do STF, é um marco importante na política educacional brasileira. Tal norma, baseada na noção de educação inclusiva, tem como objetivo ampliar o acesso dos alunos com necessidade especial à rede regular de ensino. A propósito, o artigo 208 da Constituição determina que esse deve ser o tipo preferencial de atendimento educacional de tais alunos. De modo semelhante, o artigo 58, caput e § 1º, da lei 9.394/96, ao tratar da educação especial, prevê seja dada preferência à rede regular de ensino, com serviços de apoio especializado, caso necessário. Conclui-se, por conseguinte, que o atendimento aos alunos em escolas especializados deve ocorrer tão somente em casos em que não haja possibilidade de integração nas classes comuns.

A inclusão do aluno na classe regular contribui para o seu desenvolvimento social, em razão da interação com outros alunos. Isso reduz o isolamento dos alunos com necessidades especiais, ao mesmo tempo em que estimula o respeito dos demais. Assim, a política de educação especial nada mais faz do que garantir os princípios basilares da educação, notadamente aqueles previstos no inciso I ("igualdade de condições para o acesso e permanência na escola") e IV ("respeito à liberdade e apreço à tolerância") do artigo 3º do Plano Nacional de Educação (lei 13.005/14). Trata-se de um desdobramento da célebre Declaração de Salamanca, que, no item 14, previu como linha de ação dos países signatários: "Legislação deveria reconhecer o princípio de igualdade de oportunidade para crianças, jovens e adultos com deficiências na educação primária, secundária e terciária, sempre que possível em ambientes integrados."

Destaca-se que a inclusão do aluno com necessidade especial em classe regular não se resume a aceitar a matrícula e deixar de cobrar valores adicionais de qualquer natureza nas mensalidades, anuidades e matrículas. O § 1º do artigo 28 estende às escolas privadas o dever de assegurar o seguinte:
I - sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida;

II - aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena;

III - projeto pedagógico ‘que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia;

V - adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituições de ensino;

VII - planejamento de estudo de caso, de elaboração de plano de atendimento educacional especializado, de organização de recursos e serviços de acessibilidade e de disponibilização e usabilidade pedagógica de recursos de tecnologia assistiva;

VIII - participação dos estudantes com deficiência e de suas famílias nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar;

IX - adoção de medidas de apoio que favoreçam o desenvolvimento dos aspectos linguísticos, culturais, vocacionais e profissionais, levando-se em conta o talento, a criatividade, as habilidades e os interesses do estudante com deficiência;

X - adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas de formação inicial e continuada de professores e oferta de formação continuada para o atendimento educacional especializado;

XI - formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio;

XII - oferta de ensino da Libras, do Sistema Braille e de uso de recursos de tecnologia assistiva, de forma a ampliar habilidades funcionais dos estudantes, promovendo sua autonomia e participação;

XIII - acesso à educação superior e à educação profissional e tecnológica em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas;

XIV - inclusão em conteúdos curriculares, em cursos de nível superior e de educação profissional técnica e tecnológica, de temas relacionados à pessoa com deficiência nos respectivos campos de conhecimento.

XV - acesso da pessoa com deficiência, em igualdade de condições, a jogos e a atividades recreativas, esportivas e de lazer, no sistema escolar;

XVI - acessibilidade para todos os estudantes, trabalhadores da educação e demais integrantes da comunidade escolar às edificações, aos ambientes e às atividades concernentes a todas as modalidades, etapas e níveis de ensino;

XVII - oferta de profissionais de apoio escolar;

XVIII - articulação intersetorial na implementação de políticas públicas.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência alterou o artigo 8º da lei 7.853/89, que passou a prever como crime punível com reclusão de 2 a 5 anos e multa: "I - recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência".

Desse modo, além de promover a educação inclusiva, o Estatuto da Pessoa com Deficiência combate rigorosamente a discriminação. O dever de respeito é imperativo. Assim, o Estatuto tornou-se um marco importante na defesa dos direitos fundamentais da pessoa com deficiência. Basta agora efetivá-los.
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